lunes, agosto 24, 2009

Poder

Mateus conheceu Julia no trabalho. O jeito dela, espontâneo e engraçado, chamou a atenção dele logo que entrou na empresa. Extrovertida, sempre se deu bem com todos. Até os seres mais chatos do planeta ficavam amigos dela. Era um dom. Era carismática. Aquele tipo de pessoa que não passa despercebida em lugar algum. Com brilho próprio. Para completar, ainda era uma gata.

Mas apesar de todos estes predicados, Mateus não a via com desejo. Ok, ele via que ela era um mulherão, mas nunca achou que teriam nada. Ela era casada, afinal. Ficaram amigos. Com o tempo e a convivência diária, ainda mais amigos. Chegaram a trocar umas poucas confidências, riam juntos.

Um dia esta amizade tomou outras cores. Amor dos tempos modernos, começou pelo MSN. Mateus andava bem triste, pois perdera a mãe meses antes. Desmotivado profissionalmente. Realmente era um dos piores momentos da vida dele. Dessa falta de motivação profissional ele não conseguiu mais se separar, mas isso é outra história. Aquela paixão reacendeu a vida dele.

Logo viraram namorados. Não se desgrudavam. Viam-se quase todos os dias, ela o visitava às 7h da manhã antes de ir para o trabalho. Bons tempos. Ele odiava acordar cedo, mas, com ela à porta, acordava sorrindo de orelha a orelha. Até esqueceu um pouco dos problemas profissionais. Virou uma página da vida, o futuro prometia. Era a mulher mais carinhosa com quem tinha se relacionado. Inteligente, divertida, sensível, honesta, preocupada. Ele a colocou num pedestal. Nunca mais encontraria uma mulher como aquela.

Foram morar juntos menos de dois anos depois. O amor era tão forte que eles acreditavam ser para sempre. Até ele, que não acreditava no casamento. Até ele, que não pensava em ter filhos, fazia planos de ter uma família. Tudo valeria a pena ao lado dela.

Foram morar em um apartamento pequeno, que a encantou assim que entrou. Ele, embora não tivesse apaixonado pelo imóvel, topou. Afinal, fazer aquela mulher feliz era tudo o que ele queria na vida. Ficar com ela é o que importava.

A esta altura já eram um casal sólido, daqueles que todo mundo olha e diz que vai ficar junto a vida toda. Integrado à família dela, sentia-se em casa. Ganhara a família que não tinha mais. Aquela sogra de ouro era prova viva de que ele tinha tirado a sorte grande. O sogro demorou para se aproximar, mas ficaram amigos. Até em jogo do Corinthians eles foram juntos.

Parceiros, amantes, confidentes, amigos... eles eram tudo um para o outro. O tempo passou e menos de dois anos depois de se mudarem, decidiram que aquele apartamento estava pequeno demais. Mateus lembra com saudade dos tempos em que viveu naquele aperto. Ele realmente foi muito feliz lá, mesmo sem poder ver seus filmes, ouvir seus CDs ou chegar à 0h30, depois de uma cerveja com os amigos, fazendo barulho ao abrir a porta que fechava aquelas paredes de papel. (Ela reclamava.)

Procuraram um maior, até que encontraram. Não era exatamente o que sonhavam, mas aceitaram. Mais uma vez o brilho nos olhos de Julia decidiu a compra. Mateus não fazia propaganda, mas cedia o tempo todo para agradá-la. Quantos coisas ele fez só para agradá-la, sem querer? Mas não deixava claro. Hoje ele acha que ter nascido sem veia publicitária é um dos defeitos. Mas agora é tarde para fazer propaganda.

Assumiram uma dívida monstra e mudaram-se. Nada era problema, pois ficariam o resto da vida juntos. Teriam tempo para pagar tudo. Teriam espaço para as suas individualidades e seus gostos. Teriam espaço para ter uma filha.

Mas alguma coisa nunca deu certo naquele lugar. Parece que o problema da falta de espaço era apenas uma ilusão. Julia, uma profissional extremamente competente, estava cada vez mais focada em crescer na carreira. Trabalhava exaustivamente. 12 horas diárias, uma prática comum para ela. Chegava em casa cansada e chateada pela falta de reconhecimento. Estressada, descontava em Mateus.

Mas ele não é uma vítima. Enquanto ela era uma workaholic sempre tensa, Mateus empurrava o trabalho com a barriga. Agia como um idiota até. Sua postura profissional andava digna de vergonha. Não conseguia mais se empolgar em emprego nenhum.

Cansado de esperá-la pra jantar, ele começou a comer sozinho. Isso já acontecera algumas vezes no apartamento pequeno, mas estava mais freqüente agora. Ela chegava reclamando, brigando, dando esporro, falando do trabalho o tempo todo. Mateus tentou avisar que não aceitava ordens, reclamações e estava cansando disso. Ela não ouviu ou não deu atenção.

Mateus sempre viu sua casa como o porto seguro contra todos os males, o local sagrado de paz e sossesgo. Mas isso não existia mais. Ele não podia ver um filme, ouvir uma música, deixar o jornal em cima do sofá. Não podia mais nada. O jeito dele ser agora incomodava Julia. Era esporro o tempo todo, nada estava bom.

Foram se separando, começaram a levar vidas paralelas. Já não se divertiam juntos, o lado bom da vida foi esquecido. A rotina e o clima pesado dominaram aquele lar. Ele percebeu que não podia mais fazer nada que gostasse. Começou a perder sua identidade. Tinha 300 CDs que não podia ouvir. Não podia alugar um filme se não fosse para ver junto dela. Não podia berrar gol do seu time (elas não entendem que todos os homens viram ogros vendo futebol e isso é SAUDÁVEL). Ela achou estranho ele voltar a tocar bateria. Ela reclama até que ele não usava algumas roupas que dera. Não percebeu é que deu roupas que nada tinham a ver com Mateus. Por dentro, Mateus continua sendo aquele moleque de cabelo comprido, cavanhaque enorme, brinco, bermudão e camiseta velha. Hoje ele está ficando careca e até admite usar um sapatênis, mas vamos com calma. Ele nunca vai ser um Maurício.

Mateus tentou, do jeito dele, avisar que estava infeliz. Ele errou ao não ser claro. “Seu jeito mandona me enche o saco, você está sempre estressada, reclamando de tudo e de mim. Assim não dá, vou acabar indo embora.” Parece, sim, uma frase clara. Mas ela não entendeu. Ou não levou a sério. No dia do seu “Broken Flowers”, Mateus promete perguntar a todas suas ex porque elas não o levam a sério. Se ele diz que vai embora, ele vai. Mas elas nunca acreditam. E depois dizem que foram descartadas como um sofá velho, ou jogadas num canto qualquer. Mas, para ele perguntar, elas terão que abrir a porta para ele. Por enquanto, acredita que não terá a mesma sorte de Bill Murray.

Ele é grosso e estúpido muitas vezes. Este cara tem gênio forte, briga, grita. Ele não é santo, de jeito nenhum. Mas desta vez não teve briga. Ele apenas foi, pois não se sentia mais comprometido com aqueles sonhos, não se sentia mais parte importante da vida dela, não sentia mais o que sentiu nos quatro anos anteriores. Não se sentia bem na sua própria casa.

Anos e anos antes, ele fez uma escolha na vida: a de pagar o caro preço da honestidade. E foi isso que ele fez. Hoje ele tem certeza de que as pessoas querem ser bem enganadas. Talvez ele devesse ter ficado lá, vivendo uma vida de mentiras. Infeliz. Fingindo que estava tudo bem, só para que, aos olhos da sociedade, e, talvez, de Julia, formassem um casal perfeito. Fugir de casa, mentir, quem sabe até arrumar uma amante? A maioria vive assim, afinal. Mas Mateus não consegue. Mateus precisa ser honesto com ele mesmo.

Hoje Julia não quer nem olhar na cara de Mateus. Ele adoraria que fossem amigos, que conseguissem conversar. Ela é importante demais para ele, especial. Ele se preocupa com ela (Julia não acredita). Ele diz a todos que ela é maravilhosa. Que ela é a mulher mais especial da vida dele. E que ele foi feliz com ela como nunca na vida. Mas ela não quer papo. Mateus tenta respeitar, afinal ela tem o direito de ficar longe.

O fim dessa história? Mateus prometeu NÃO me contar neste blog.

1 Comentarios:

Blogger FAFÁ dijo...

Que seja o recomeço de uma boa e nova vida para Julia e Mateus! QUe seja o recomeço de um certo argentino escrever suas boas crônicas neste blog

11:46 p. m.  

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