miércoles, julio 05, 2006

História de um moleque – Parte 1

Segunda-feira é dia de Ayala pegar o Vila Gilda 677A. Rodízio. No trajeto ele passa pelo Parque Ibirapuera. Aquele gramado na frente do paredão está cheio de árvores. Irregular. Tem um alambrado e uma espécie de pista de aeromodelismo agora. Ele voltou uns 20 anos no tempo. Nada daquilo existia.

Aquele era seu espaço nas manhãs de domingo. Acordava cedo, comia uma pizza amanhecida e lá ia com o pai, que colocava um tênis surrado, e o irmão. Passava horas achando que um dia seria um craque. Lembra-se do dia em que a bola foi parar do outro lado do muro. Lá funcionava o almoxarifado de algum lugar que até agora ele não sabe o que é. Apesar da busca, a bola nunca voltou. Recorda-se da tristeza profunda que aquilo causou. Era uma bola igual à que Diego usou para encantar o mundo com seus dribles e gols no México.

Pois é. Aqui está. O mano do banco do lado está desmaiado abraçado na mochila. É como se fosse sua namorada. "Será que ele tem uma?", pensou. Do jeito que agarrava a mochila não deve ver mulher faz tempo. A gorda loira, de rosa e estilo perua, fala ao celular. Nada discreta. Dá risada. "É daquelas que veio ao mundo a passeio e pelo jeito está se divertindo mais do que a maioria."

Gente de bem, ou não... com sono. Emburrada. Também pudera. É segunda-feira. O sorriso estampado na face da gorda loira o agride. Imagine se fosse o ônibus inteiro com aquela felicidade esta hora? Seria uma surra em Ayala. Melhor assim.

Mas ele volta para suas divagações. "Quem deu ordens pra acabar com o meu gramado?", pensa. "Aquelas árvores já atrapalhavam e ainda colocaram outras?" Lembra-se quando chutou a bola em um tronco certa vez. As abelhas daquela colméia não deviam gostar de futebol. A orelha de Ayala que o diga. O irmão saiu correndo, se debatendo. O estrago só não foi pior porque ele (o irmão) estava com camisa de goleiro.

Não sabe dizer ao certo o que se passava em sua cabeça naquela época. Sabe como esperava as manhãs de domingo e nunca queria ir embora. Ficava revoltado quando eles (pai e irmão) ficavam cansados. "Como podiam?" Era possível passar o dia inteiro ali. Acha que chutar uma bola foi o primeiro grande prazer que teve na vida. E se chovesse? Queria bater no filho da puta que inventou aquilo. Achava que tinha a vida inteira pela frente. Parecia ter. Toda sua urgência era jogar bola. Era a única coisa que não podia deixar para depois. Era quase a razão dele viver.

Agora mal consegue jogar a cada seis meses. O pouco que aprendeu, desaprendeu. Já sabe que não tem mais a vida inteira pela frente. Agora sabe que os pais não são heróis. E que não são imortais. Agora tem certeza absoluta de que nunca será jogador de futebol. Agora sabe como a vida pode passar rápido. Agora sabe que uma bola perdida em um almoxarifado é ruim, mas não é o fim do mundo. Agora sabe que uma das melhores sensações da infância é achar que tem a vida inteira pela frente. Agora sabe que a Terra gira mesmo e não era apenas blábláblá da professora (linda) de Ciências.

10 Comentarios:

Blogger db dijo...

será que todo mundo teve uma professora linda de ciências? gostei

6:07 p. m.  
Blogger db dijo...

será que todo mundo teve uma professora linda de ciências? gostei

6:07 p. m.  
Blogger FAFÁ dijo...

quando o texto é muiiiito bom a gente fica sem palavras até para brincar em cima dele! sério! parabéns!

7:45 p. m.  
Anonymous Anónimo dijo...

Isso aqui está cada vez melhor. O texto é sensacional.

8:03 p. m.  
Blogger o_argentino dijo...

obg, fiéis leitores

10:49 a. m.  
Blogger db dijo...

educadinho assim, a gente vamos até continuar a ler este site argentino

4:21 p. m.  
Blogger FAFÁ dijo...

cade a parte 2?

10:17 p. m.  
Anonymous Anónimo dijo...

Mr. Roxo tem preguiça de postar, mas tb disse que gostou muito do texto --e deu risada do personagem chamar Ayala. Em tempo, pq o texto abaixo sumiu?

5:59 p. m.  
Anonymous Anónimo dijo...

Fala sério, heim, Musoh?!?!
Lindo mesmo.

10:56 p. m.  
Anonymous Anónimo dijo...

Agora que eu descobri como se escreve aqui, posso dizer: caraca...

10:58 p. m.  

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