viernes, abril 11, 2008

Em algum Texas do mundo

Jair tomou o último gole do uísque que pedira no balcão. Já estava um tanto aguado, é aquele gole que tem mais gelo derretido que a bebida. As cadeiras já estavam quase todas viradas, quando ele agradeceu Maneco, que já havia até fechado o caixa, e saiu, meio zonzo, fazendo barulho no chão de madeira com o salto das botas.

Caminhava em direção ao carro, quando escutou uma buzina de caminhão e percebeu um flash de luz. Era o motorista dando farol alto. O cérebro dele demorou para processar a informação. Ouviu um grito e um som pastoso, não sabia o que era. Pensou que o Chivas (marca escolhida em homenagem a um leitor) fosse o responsável. Afinal, foram seis doses. Mas não. Algo estava na estrada, bem no meio da estrada.

Andou para ver o que era, mas o trajeto era difícil...cambaleava e não conseguia enxergar, a escuridão o cegava. “Vou colocar gelo no saco assim que chegar em casa, está rodando tudo”, pensava, enquanto olhava para ver se vinha algum carro. O silêncio só era quebrado pelas poucas corujas existentes.

Chegou, finalmente, ao corpo. Sim, era um corpo. Ele não se espantou com isso, mas com o fato de ser uma mulher belíssima. De saia jeans e top vermelho, com botas longas. Cabelos negros, com pitadas castanhas e uma boca quase tão sensual quanto a da Angelina Jolie. “Meu Deus, como pode ter feito uma coisa destas? Tão linda...”, lamentava-se, pensando no motorista do caminhão, e agachando para ver aquele rosto de perto. Ajeitou o cabelo cheio de sangue. Com expressão de velório, levantou-se, pois a poça no chão já estava sujando seus sapatos. Coçou a cabeça, olhou para os lados e pensou em chamar Maneco para ajudar. Chegou a dar alguns passos tortos em direção ao bar. Não fossem quatro horas da manhã naquele vilarejo e Jair teria tido o mesmo destino da bela mulher.

Claudicante, balbuciou palavras incompreensíveis para si mesmo, voltou ao meio da estrada, pegou a jovem garota e a colocou nos ombros, repetindo: “Foda-se a minha camisa”. “Foda-se a minha camisa.”

Colocou a morena, a quem decidiu chamar de Tracy (tirou o nome de um filme americano que assistira há pouco tempo) no banco de trás do carro. Mesmo ela estando morta, acreditava que colocar alguém no porta-malas seria o cúmulo da crueldade.

Dirigiu devagar até sua casa, olhando seguidamente pelo retrovisor, como se quisesse ver que Tracy estava bem. O sol já dava sinais quando Jair chegou à velha construção, de paredes brancas e sujas, tirada de um filme texano.

Com a delicadeza de um equilibrista, levou a garota até seu quarto, despiu-a, limpou o sangue (que, obviamente, não estancava) e foi tomar banho. Na volta, deu de cara com nova poça de sangue. Após limpar, abriu a geladeira e pegou uma cerveja. Deu três goles, terminou o cigarro no filtro e dirigiu-se à Tracy, antes que outra poça se formasse: “Fique tranquila, não vou te machucar.” Beijou seu corpo inteiro... comemorou o fato de ela não ter unhas vermelhas e a pele ser clara. Depois de alguns minutos, penetrou o cadáver com força, falando sozinho, celebrando seu feito. Chegou ao orgasmo pouco tempo depois. Como dizia seu amigo Gerson, depois de velhos, os homens voltam a ser os galos que foram na adolescência.

Foi até o armário e pegou seu rifle, uma espingarda safada, que usava para caçar, mas que caíra em desuso há anos. Perdeu algum tempo limpando-a, inclusive por dentro, para não ter problemas.

Deitou-se ao lado de Tracy e deu mais um beijo naquela boca de Jolie. Apontou o rifle contra o peito e disparou, agradecendo ao gênio da lâmpada a concessão de seu último desejo.

3 Comentarios:

Blogger FAFÁ dijo...

quentin de assis? ou machado tarantino? seja como for gostei. gostei do claudicante também, seja lá o que isso for.

9:56 a. m.  
Blogger db dijo...

e se ela tivesse unhas vermelhas?

12:24 p. m.  
Blogger Camila dijo...

"Agradeci por não ter unhas vermelhas" é quase uma assinatura. Gostei.

9:04 p. m.  

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