lunes, marzo 23, 2009

Radiohead, a bosta da Itaipava e duas horas sem rumo no cu do mundo

Descobri o Radiohead no primeiro disco, o Pablo Honey. Apesar de todo mundo falar de "Creep", o disco inteiro é bom. E é um dos discos mais rock da banda, se não for o campeão deste quesito. Mas eu sabia que mal ouviria músicas do primeiro álbum na Chácara do Jockey. Ter adorado o último disco, In Rainbows, e saber que algumas músicas do terceiro trabalho da banda, o OK Computer, divisor de águas da carreira dos ingleses, estariam no set list, já valeria o ingresso, apesar dos caros 100 reais.

Não vou me alongar sobre o show. Apenas digo que a qualidade da banda e a voz de Thom Yorke ao vivo me surpreenderam. A voz dele vai aos agudos e volta, afinada, mostrando que produtores não precisam perder tempo com mixagens exageradas no estúdio. O show de luzes dá um toque especial. A iluminação combina com cada música, sem querer justificar a possível falta de qualidade de um show, como se vê muito por aí. O set list poderia ser melhor para qualquer um. Só tocaram uma do primeiro disco e uma do segundo, The Bends, a mais do que clássica "Fake Plastic Trees". Eu lamento, pois gosto bastante dos dois. Mas é difícil agradar a todos em um show de 2h20 (generoso) depois de quase 20 anos de carreira. Sempre vai ter alguém achando que faltou alguma música.



Tímido, mas, apesar disso, carismático (são antíteses? talvez), Yorke tentou duas palavras em português. Ele não fala muito. Mas gosta do que faz, está na cara dele. Se envolve a cada música, dança desajeitado, entra em catarse, volta...aliás, voltaram três vezes, tocando 26 músicas e quebrando o protocolo dos shows da turnê, que costumam ter 25 músicas. Mas descobri porque eles foram "mais genereosos" com o público paulistano:

A Chácara do Jockey é o pior lugar em São Paulo para um show grande. É afastada do centro, não tem acesso fácil (não há metrô) e não tem estrutura de locais para comer, beber, estacionar, etc. 90% de quem vai pra lá vai voltar para o mesmo sentido: Marginal Pinheiros. E pela Francisco Morato. Lá dentro, o lamaçal do "Claro que é Rock" de 2005 não se repetiu porque a chuva deu uma trégua, mas foi por pouco. Mas, mesmo assim, todo mundo volta sujo de terra para casa. Quem tentou comer ou beber precisou enfrentar meia hora de fila para comprar fichas e depois se acotovelar para conseguir um copo de água (R$3) ou uma lata de Itaipava (R$ 5). E nem todos os "bares" vendiam comida, você só descobria isso após a meia hora na fila do caixa.

Para completar, antes do Radiohead a cerveja disponível ainda estava quente, avisavam os balconistas. A comida? O hot-dog custava R$ 8 e quem comeu disse que estava muito safado. O cheeseburger, que tinha o mesmo preço, eu vi bem de longe, porque acabou ainda no show do Kraftwerk. Para colocar cereja neste belo bolo, ainda conto o que passou um amigo: viu o chapeiro rir da cara dele enquanto o balconista dizia que não havia mais hambúrguer. Puto, começou bater boca com o cara, que logo viu a fúria que incitara na multidão e baixou a cabeça, depois de levar um bronca do patrão.

Para fechar com chave de ouro, o Radiohead tocou Creep, seu primeiro sucesso, que fez 30 mil pessoas cantarem junto e sairem em êxtase. O problema é que tal sensação não durou muito.

Sair da Chácara do Jockey foi uma aventura de muitos minutos, bem pior do que deixar o Morumbi em dia de Corinthians x Palmeiras. Na rua não havia mais táxis livres e os ocupados estavam parados ao lado, à frente e atrás dos carros dos fãs.

Conclusão: andanças, telefonemas para centrais de táxi em vão e DUAS horas depois, conseguimos um táxi, já um quilômetro e meio à frente de onde estávamos. O show? Foi muito bom, o Radiohead é, provavelmente, a melhor banda da atualidade, pela sua maturidade musical, pela coragem de experimentar, pela postura diantes dos fãs e pela inovação de ter lançado um disco pela internet pelo qual o usuário pagava o quanto quisesse pelo download, dando um belo tapa na cara das gravadoras. E sim, claro, pelas melodias espetaculares que compõe.

Mas agora eu já nem me lembro direito do show. Só lembro da saga que foi tentar voltar para casa numa madrugada de segunda-feira. Em São Paulo. A cidade que não dorme. Cidade governada por porcos que têm a obrigação de exigir o mínimo de organização dos produtores do show, mas nem um esquema de trânsito decente tiveram a decência de preparar. Tomara que algo inusitado aconteça e nunca mais haja shows naquele muquifo. Que a Plan Music seja processada e perca espaço para organizar festivais. Que alguém corte a verba de marketing da Itaipava. E que o Radiohead venha de novo a São Paulo e toque em outro lugar.

Obs: Cheguei depois do Los Hermanos de propósito (aquilo é banda de mulher e viado) e suportei, a duras penas, o Kraftwerk. Eles podem ser os precursores da música eletrônica, têm uma história, o que for. Mas aquilo é chato pra cacete. Música que pode emocionar robôs, talvez.

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lunes, marzo 09, 2009

A amiga do Sr. Nelson

Dona Maria passava com frequencia em frente à loja do sr. Nelson. Já idosa, andava sempre com um lenço na cabeça de poucos cabelos. Não tinha mais os dois dentes da frente. Costumava carregar algumas sacolas, frutos de alguma doação. Pensava-se até que tudo aquilo ali era a casa dela. Tudo o que a dona Maria possuía dava para levar nos ombros.

Pois bem. Sempre que passava ali, entrava e procurava pelo Sr. Nelson. “O senhor me dá 1 real?” O Sr. Nelson, filho de imigrantes que um dia já foi pobre, nunca negava um real para a Dona Maria.

Um dia o avisaram que ela estava fumando. Então ele descobriu que as pequenas e constantes doações quase sempre viravam moeda de troca para bastonetes de câncer. Logo depois disso o Sr. Nelson recebeu Dona Maria em mais uma de suas visitas-relâmpago. “Dona Maria, aqui está seu ‘um real’, mas se eu pegar a senhora fumando, eu paro de dar, entendeu?” “Não, Sr. Nelson. Claro, Sr. Nelson”, respondeu, com a voz trêmula, guardando a moeda e andando o mais rápido que aquelas pernas, cansadas da vida, conseguiam.

Alguém na vizinhança não demorou a avisar o comerciante que dona Maria ainda estava a fumar. “Não adianta me falar. Eu tenho que flagrar”, disse ele, torcendo para que isso nunca acontecesse.

Porém, meses depois, após fechar a loja, Sr. Nelson foi pegar o carro para ir embora. Deu de cara com dona Maria, que tragava um cigarro e não conseguia disfarçar o prazer. Ao vê-lo, a pequenina senhora correu até a guia (meio-fio) e jogou o cigarro fora, louca para que Sr. Nelson não a tivesse visto. Mas ele viu. “Dona Maria, já sabe, né?”

Ela ficou algum tempo sem aparecer. Deve ter ido pegar um real em outros lugares. Num dia destes, envelhecida, dona Maria passou pelo Sr. Nelson, que batia papo na esquina perto da loja. Com menos dentes e ainda carregando sacolas, ela chegou perto dele e falou: “Sr. Nelson, o senhor reza por mim? Eu rezo todos os dias pelo senhor!” E saiu, sorrindo, confortada pela resposta afirmativa dele.