jueves, septiembre 21, 2006

Um copo de realidade - Parte 1

“Vamos sentar lá fora?” “Enquanto ela termina de limpar a cozinha.” “Vamos”. Wanderléa acendeu um cigarro e, por mais que aquele domingo à tarde não pedisse nenhuma reflexão, ela começou: “Sabe, eu só fui descobrir o que era gozar quando me separei.” Villa, assustado, quase engasga com a Coca que tinha acabado de colocar na boca. Mas conseguiu se conter e fingiu que ela falava sobre as nuvens. “Mesmo?” “É. E olha que fiquei 14 anos casada.”

Villa franziu a testa. Não sabia o que dizer. Afinal de contas, por que ela estava contando tudo aquilo?” Conheço essa mulher há dois meses e ela começa com este papo?”, pensou. “Informação desnecessária.”

Para Villa já era suficiente. Ele até desejou ser surdo por uns instantes. Depois achou um absurdo, seria pecado. “Pecado o quê, se não acredito em Deus?” E Wanderléa, sem titubear, continuou com suas confissões (ou seriam desabafos?) de quarentona. “Ele montava em cima, dava uma, virava e dormia.”

“Já sei porque se separaram”, pensou Villa. Pensou. Porque falar era algo que, decididamente, ele não ia fazer. “Começo a meter o pau no cara para ser solidário e vai que ela se dói? Mulheres são imprevisíveis.” O silêncio e a cara de paisagem em um momento daqueles seriam demonstração de pura sabedoria.

Quando começou a digerir a informação, pensou em revoltar-se. Afinal de contas, aquilo ia contra a classe macha! Mas aquele princípio de vulcão foi apenas uma ameaça. Quieto, escutou mais algumas considerações sobre como não se deve comer uma mulher.

Quase um ano depois, o cenário era parecido e os interlocutores também. Wanderléa, agora, estava em crise financeira. Com problemas sérios, reclamava que não queria mais trabalhar, mas precisava, pois estava cheia de dívidas. Foi então que, com uma ponta de sorriso nos lábios, ela mostrou a Villa do que a vida é feita: “Eu bem que poderia casar de novo com o Diocleciano, né? Ele virou executivo depois que nos separamos.”

viernes, septiembre 08, 2006

História de um anjo

Faltava meia hora para a rodada. Alguém tinha que fazer o serviço sujo e buscar a comida. Afinal, aquele bando de loucos precisava se alimentar enquanto trabalhava. “Vou descer, alguém quer alguma coisa?” Mãos, listas e tíquetes apareciam ao mesmo tempo.
Quase sempre por último aquela garota de olhos claros esticava a mão com um sorriso lindo e maroto e pedia o de sempre: “Traz dois brigadeiros e uma coca, por favor?”

O tíquete era de R$ 4 e naquele tempo dava até troco. Depois de um tempo foi comum perceber que ela mal comia. Por isso mesmo nunca deve ter ficado cem gramas acima do peso ideal.

Aquele olhar e sorriso eram especiais. Aliás, aqueles olhos eram tão misteriosos que valeram um estudo para descobrir: azuis ou verdes? O diagnóstico: depende da luz.

Isso é a cara dela. A cara dela porque ela não era uma pessoa comum. Não se encaixava em padrões ou rótulos. Estava muito acima de maniqueísmos, fofocas ou intrigas.

Parceira, topava ajudar todo mundo, até cobrir jogo de futebol no plantão para que os meninos dissimulados não precisassem trabalhar 12 horas no sábado. Jogo do Guga então, nem precisava pedir. Ela se oferecia.

E obedecer ordens dela então? Era muito competente, mas não dava uma bronca. Parecia uma zenbudista em um meio formado, em sua maioria, por neuróticos e arrogantes.

Itinerante e complexa. Andou por aí. E nas andanças do mundo, voltou para São Paulo. Aquela parceria voltou a acontecer anos depois no prédio ao lado de onde começou. Inteligência e doçura. Independência. A menina-mulher resolvia tudo sozinha. Sentia-se mal ao pedir favores, ela nunca precisava de ninguém.

Os almoços eram quase sempre no mesmo lugar. Os papos podiam variar ou não. Aquela rotina fazia bem. Sempre surgia a inspiração para alguma coluna de sexo. Ótimos textos.

Para fechar, café com bolinho de chuva no Garfus. Ah, e se não tivesse o bolinho de chuva? Ia até embora. O café era só um detalhe.

Aquela andarilha alegrou , ajudou e ensinou. E deixa saudades, muitas saudades. Ela tinha razão. O roteirista não quis ajudar. Eu prefiro achar que ele não existe. Se existir, vou demiti-lo assim que o encontrar.