sábado, febrero 23, 2008

"Na Natureza Selvagem"

Quarta investida de Sean Penn na direção, “Na Natureza Selvagem” (Into the Wild) é um filme que tem, como tema principal, a necessidade de um rapaz ‘comum’ de isolamento da sociedade e, em segundo plano, a busca pela felicidade por meio da tranqüilidade longe da rotina dos escritórios, a apreciação das belezas naturais e o desafio de viver perigosamente.

Christopher McCandless (Emile Hirsch) é um jovem de classe média alta dos Estados Unidos que resolve interromper o ciclo natural de buscar emprego após terminar uma boa faculdade e embarca em uma aventura ‘neohippie’.

Ele deixa para trás os pais (interpretados por William Hurt e Marcia Gay Harden, por quem sente grande desprezo e um pouco de raiva depois que descobriu um ‘segredo’ da família) e a irmã, a única pessoa com quem parece se importar. Xinga o dinheiro e os anseios dos pais e parte, pelos Estados Unidos afora. Ao contrário da maioria dos hippies da história, não se aproveita da boa condição financeira da família para embarcar em sua aventura. "Doa" toda sua poupança e recusa um carro novo que os pais oferecem.

A regra básica dele é: não há regras. Ele busca novos destinos a cada momento, embora sonhe em ir ao Alasca, e faz o possível para não ser achado pela família. Consegue isso de maneira bem fácil. Mantém contato apenas com a irmã – que, boa cúmplice, esconde dos pais seu paradeiro. Mas depois até ela é deixada de lado e fica angustiada, sem notícias do irmão.

Na sua aventura adolescente, passa por poucos apuros. Caça para comer, dorme em qualquer mato, e ganha dinheiro fazendo bicos. Parece que nada o abala.

A história encontra o clichê quando o garoto que queria se isolar do mundo, conhece pessoas e se envolve, é amado e passa a amar. Ele cativa um casal hippie, se afasta deles, e os reencontra em um acampamento, onde também conhece uma adolescente, Tracy, linda por sinal, interpretada por Kristen Stewart (que tem apenas 17 anos na vida real e 16 no filme).

Mais para frente é a vez de estabelecer uma relação afetuosa com um veterano de guerra solitário que o oferece uma carona (Hal Holbrook, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante), que perdeu mulher e filho recém-nascido há decadas, e é um poço de carência. A relação vai tão longe em tão pouco tempo que ele chega a ouvir do velho uma proposta estranha: ele quer adotá-lo. Com jeito, Chris foge do assunto e tenta deixar a conversa “para depois”.

A narrativa de Sean Penn é muito bem estruturada. Alguns pontos negativos vão para alguns olhares de Hirsch para a câmera e para narração em texto na tela. Recursos batidos que fazem um filme tão interessante soar bobo em alguns momentos.

O clichê de ele dar valor a pessoas que gostam dele depois que escolhe se isolar não enfraquece a obra. Não é porque é clichê que é cinema de baixa qualidade. A maneira de contar as histórias, mesmo os clichês, é que fazem a diferença.

E, neste filme, Penn fez muito bem seu trabalho, depois do entediante "A Promessa" ("The Pledge" - 2001), que nem Jack Nicholson salvou. O roteiro, baseado em fatos reais, é muito bem montado e a edição faz jus à indicação ao Oscar. A narrativa não-linear ajuda a entreter o espectador e não prega peças, não é preciso montar um quebra-cabeças. Penn, porém, poderia ter escolhido algum ator com um pouco mais de estofo para o papel principal, já que Hirsch, que fez Alpha Dog e começou nos seriados de TV, deixa a desejar em algumas cenas que exigem mais capacidade dramática.

Mas a irregular atuação do jovem ator não chega a comprometer o filme, que toca quem o assiste. A trilha sonora, toda composta e cantada por Eddie Vedder (Pearl Jam), é outro feliz componente do conjunto e ajuda ainda mais no fechamento da trama.

Filme: Na Natureza Selvagem (Into The Wild - 2007)
Direção e roteiro: Sean Penn

Elenco principal:

  • Emile Hirsch - Christopher McCandless
  • Marcia Gay Harden - Billie McCandless
  • William Hurt - Walt McCandless
  • Jena Malone - Carine McCandless
  • Brian Dierker - Rainey
  • Catherine Keener - Jan Burres
  • Vince Vaughn - Wayne Westerberg
  • Kristen Stewart - Tracy
  • Hal Holbrook - Ron Franz
  • martes, febrero 19, 2008

    Coloninha

    Termino o almoço em que saí sem beber porque o que pedi não chegou e passo no mercadinho pra comprar um chá gelado. Vou ao caixa. "R$ 1,98". Dou uma nota de dez reais e, enquanto recebo o troco, escuto: "Posso ficar devendo dois centavos? Não tenho moeda de centavos", diz, com um sorriso simpático, aquela senhora gorda e negra. Estereótipo que a Globo adorava colocar na novela das oito, a cozinheira que vivia a vida da família. De uns tempos para cá eles mudaram um pouco. Da senhora negra e gorda, passaram pra empregada gostosa, que qualquer macho gostaria de ter em casa. Mas enfim...

    Voltando: eu devolvi, com o mesmo sorriso (acredito que simpático, pelo menos eu tentei): "Então peça pro patrão mudar o preço pra R$ 2 de uma vez. Aí facilita pra todo mundo." E ela, de bate-pronto, ainda com aquele sorriso, ainda mais segura: "Não é só o patrão, todo mundo faz isso." O dono do mercado, dois metros ao lado, nos escutava, mas permaneceu imóvel.

    Pois é. Agradeci e vim bebendo meu chá pelas ruas do Itaim Bibi (em que vemos uma criança pedindo esmola a cada esquina em que há um Jaguar parado em fila dupla para ir a restaurantes como o Parigi).

    Porra, não precisa ser expert em marketing para saber que a tática do preço quebrado é para fisgar o consumidor psicologicamente. E funciona. A pessoa acha que está pagando menos, acaba decidindo comprar porque se ilude com o preço, etc. Se ainda fossem R$ 299, R$ 799, R$ 10.998... Mas 1,98? Ela nunca vai ter os dois centavos. Quantos dois centavos o patrão dela ganha de todo mundo? E se eu desse 1,90 e pedisse pra "ficar devendo" oito? Ela aceitaria? Claro que não.

    Ah, mas tudo mundo faz, então pode. O governo tem centenas mamando com cartão corporativo? Ah, mas o governo do FHC também fazia isso, então pode. Deputado recebe pra votar? Ah, mas todos fazem isso. Onde vai parar este lugar? "Pode parar o carro em fila dupla, todo mundo faz isso." "Pode dar um dinheiro pro guarda, todo mundo faz isso." "Fure a fila, é comum." "Troque de faixa sem dar setas, ninguém faz isso." "Ah, todo mundo joga lixo pela janela do carro, então vou jogar." "Todo mundo entra no metrô antes que as pessoas que estão dentro saiam, então foda-se."

    Este é o país em que ter falta de personalidade virou desculpa pra tudo. Se todo mundo faz, posso fazer também. Aliás, muitas vezes o "todo mundo" são três pessoas. O que importa é ter desculpa para o comportamento escroto.

    É cultural e, vendo este tipo de postura, não tenho esperanças de que nada vá mudar. Não seremos mais civilizados do que somos. O pior do Brasil é o brasileiro, que não quer mudar o estilo de ser do "jeitinho".

    Depois de lamentar a Revolução Farroupilha não ter dado certo, tenho que lamentar o fato de a Invasão Holandesa ter ficado apenas em Pernambuco.