miércoles, septiembre 26, 2007

Desconstruindo Mano Brown

Fiquei decepcionado com a entrevista de Mano Brown, líder dos Racionais MCs, no Roda Viva, da TV Cultura. O cara tem 20 anos de carreira e deu poucas entrevistas. Eu esperava mais dos entrevistadores.

O programa foi ao vivo e, no começo, todos pareciam tatear o outro lado. A elite branca, que era maioria na banca, tinha medo de fazer perguntas fortes, provocativas e levar uma invertida de Brown, sempre de cara fechada. Ele, tímido, e esperando porradas, era monossilábico.

Aos poucos, ele se soltou, deu risadas, disse palavrões e foi menos evasivo nas respostas. Porém, do outro lado, a maioria se concentrava em perguntas sociais e não conseguia extrair grandes coisas do músico.

Quem ficou mais à vontade foi Paulo Lins, naturalmente. O escritor é negro e tem 30 anos de favela, como ele mesmo disse. Brown olhava para ele com respeito, escutava atentamente, gostava das perguntas. Paulo Lima, editor da Trip, também fez perguntas interessantes, assim como a psicnalista Maria Rita Kehl, que embora pareça o estereótipo da classe média "Cansei", fez a lição de casa e estudou as letras da banda. Além disso, sabia estar diante de um artista, e não de um líder político.

Durante a maior parte do programa, a banca parecia querer arrancar frases de efeito de um líder social e revolucionário, que fez questão de ressaltar o tempo todo: "Não sou exemplo para ninguém."

Fugiu de respostas com "confesso que sou meio ignorante pra responder isso", e admitiu que estudou apenas até a 8ª série porque arrumou emprego e não se adaptou à escola no primeiro colegial, o que o levou a uma escolha pela vida profissional. Disse que canta porque precisa comer, que é ausente com os filhos e chegou a explicar a rima de uma música com um sorriso nos lábios: "Antes de tudo, é uma rima. A gente busca palavras que encaixem."

A exagerada humildade do rapper serviu pra deixar claro que ele não quer o peso de ser ícone ou líder de uma geração. Ele tentou ao máximo se livrar do rótulo, mas, no fundo, sabe que a periferia escuta o Racionais como mantra. Brown disse que dá opiniões como cidadão: elogiou Lula e diz que o país melhorou um grão de areia.

Da música, pouco se falou. Lamento os entrevistadores serem tão covardes e Mano Brown exagerar nas sandálias da humildade. Porque ele é exemplo, sim, para milhares de pobres brasileiros. E exemplo de um cara que deu certo, saiu da favela (admitiu também ser incoerente, pois prometeu, em música, não fazer isso, mas mudou de idéia), vive com dignidade, tem casa, carro... Se a molecada o vê admitindo ignorância, dizer que não ligou para o estudo, que lê pouco...pode ser ruim. Ele não é tão ignorante quanto diz, ele lê, sabe o que se passa no Brasil, além de conhecer a pobreza de perto.

Mas eu até entendo a posição dele. "Eu escuto um monte de artistas e não levaria a vida que eles levam. Marvin Gaye, por exemplo. Adoro Marvin Gaye, mas nunca viveria como ele viveu." Faz sentido.

Faz mais de cinco anos que os Racionais não lançam um disco. Teve DVD este ano, mas disco não. Quando vai sair o próximo? Não sei, ninguém perguntou. Qual a freqüência dos shows, qual a média dos cachês? Eles tocariam no Credicard Hall, que é perto do Capão, mas lugar pra rico? Onde ele mora agora? Ele tem carro de playboy? O filho dele estuda em escola particular? Ok, ele mal fala da família. Mas ninguém perguntou.

Afinal, estavam todos morrendo de medo do preto favelado cuja boca é uma metralhadora giratória. E ele ainda zombou: "Já vi vários caras levando porrada aqui. Hoje tá leve."

A pessoa mais dura com Brown em toda a entrevista foi ele próprio.

sábado, septiembre 22, 2007

Tropa de Elite

Toda a polêmica e burburinho provocados pela pirataria de “Tropa de Elite” antes do lançamento faz pensar que há jogada de marketing e que o barulho é maior do que a qualidade do filme. Mas não é.

Independente do quesito pirataria, o filme é excelente. Excelente porque retrata a violência do Rio de Janeiro e brasileira sob um ponto de vista diferente, o da polícia, e porque é um belo tapa na cara. Ao contrário do que se pode imaginar, não condena os traficantes, embora também não os defenda. É um tapa na cara da classe alta, da elite que tem acesso a faculdades e vida digna neste país. Pelo menos assim é a cópia pirata que eu assisti, antes do último corte do diretor José Padilha. (“Rico com consciência social não entende que guerra é guerra.”)

A narração do Capitão Nascimento, do BOPE, interpretado pelo ótimo ator Wagner Moura (pena que ele tenha de fazer novelas da Globo pra ganhar dinheiro), é forte, ácida e ao mesmo tempo bem-humorada. Em um filme com cenas de tortura, é possível dar risadas, acreditem.

A análise sociológica, chamada de filosofia de botequim por alguns, é bastante interessante. É clichê dizer que ocorre violência no morro porque a classe média consome drogas? É. Mas é verdade. E a maneira de contar esta história é que faz o filme valer a pena. (“Fico me perguntando quantas crianças têm que morrer na favela pra um playboy apertar um baseado.”)

O filme, contado sob a perspectiva da polícia, já que tem como co-roteirista um ex-capitão do BOPE, foge de maniqueísmos, ainda bem. Ele não glorifica mocinhos nem bandidos, embora tenda a vender os capitães do BOPE como heróis. Tende, porque mostra cenas de tortura pouco louváveis praticadas por estes policiais. Quem assiste ao filme escolhe se os aceita ou não como últimos bastiões da segurança nacional. Exibir cenas fortes é ilustrar com doses de realidade o que realmente acontece. Qualquer um no Brasil com um pouco de informação sabe que nada do que está ali é inverossímil.

Eletrizante, a obra de José Padilha deve ser a escolha para representar o Brasil no Oscar. Tende a colher os louros não obtidos por “Cidade de Deus” no passado. A comparação com os dois filmes não deve ser levada adiante: ambos retratam a violência no Rio de Janeiro. Paremos por aqui. “Tropa de Elite” é muito mais real, tem outros propósitos, é contemporâneo, é narrado sob outra óptica.

Este texto não é uma tentativa de crítica sobre o filme. Nem quero contá-lo aos que ainda não o assistiram. Quero dizer aos meus fiéis três leitores que realmente vale a pena.

Quanto à pirataria, não tenho pudor em admitir. Vou ver o filme novamente no cinema e pretendo comprar o DVD. Mas, se levar os conceitos do filme à risca, sou culpado pela morte de alguém por ter aceitado a cópia pirata do filme emprestada por um amigo.

Agora é só pegar a 12. (Atenção para a última cena do filme.)